Saúde
O impacto das mudanças climáticas na saúde da população brasileira
Segundo a Organização Mundial da Saúde, as mudanças climáticas contribuem diretamente para as emergências humanitárias decorrentes de ondas de calor, incêndios florestais, inundações, tempestades tropicais e furacões – que estão aumentando em escala, frequência, intensidade e severidade.
Esses riscos climáticos e meteorológicos, por sua vez, afetam a saúde direta e indiretamente, aumentando o risco de mortes, doenças não transmissíveis, surgimento e disseminação de doenças infecciosas, emergências e reemergências sanitárias.
- A OMS estima que, entre 2030 e 2050, a crise climática causará 250 mil mortes adicionais por ano devido à desnutrição, malária, diarreia e estresse térmico.
- Até o final desta década, os custos diretos dos danos à saúde decorrentes das mudanças climáticas se situarão entre US$ 2 e 4 bilhões anualmente, com maior incidência em nações com infraestrutura de saúde precárias.
A plataforma AdaptaBrasil MCTI oferece informações relevantes sobre os impactos das mudanças climáticas na saúde da população em todos os municípios brasileiros – especialmente em relação ao aumento da incidência de doenças transmitidas por vetores, as arboviroses, condicionadas pelas mudanças no clima e nos ecossistemas.
Dimensões socioeconômicas e os impactos na saúde diante da crise climática
Para identificar e medir os impactos das mudanças climáticas na saúde da população brasileira, a equipe de pesquisadores do AdaptaBrasil considerou não apenas os problemas de saúde mais comuns no país, mas também aqueles sensíveis às mudanças climáticas.
Além disso, foram priorizadas doenças que têm uma forte relação com os determinantes sociais da saúde, incluindo fatores econômicos, políticos e ambientais que afetam as condições de vida da população exposta, o que pode levar à implementação de políticas eficazes de controle de vetores.
Sandra Hacon, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP-Fiocruz) e especialista na área de saúde e meio ambiente, destaca a importância das interconexões entre os fatores socioambientais nessa análise.
“As mudanças climáticas afetam a saúde de forma variada, dependendo da vulnerabilidade social das populações próximas ou distantes dos eventos climáticos, além das condições ambientais e sociais”, ressalta a pesquisadora, que participa do processo de levantamento e análise de dados para a criação da área de Saúde no AdaptaBrasil.
Sandra comenta ainda que as populações mais vulneráveis, como ribeirinhos, indígenas, populações tradicionais e quilombolas, vivem em ambientes distintos das áreas urbanas. Portanto, ela explica, é necessário considerar essas diferenças ao abordar questões de saúde e mudanças climáticas.
“Essas comunidades estão mais expostas aos impactos das mudanças climáticas em decorrência à sua proximidade com a natureza e à sua dependência dos recursos naturais para subsistência. Além disso, essas populações muitas vezes enfrentam condições socioeconômicas desfavoráveis e têm acesso limitado aos serviços de saúde, o que as torna mais vulneráveis a doenças relacionadas ao clima, como a dengue e a malária”, aponta.
Levando tudo isso em conta, a análise da equipe do AdaptaBrasil priorizou as doenças de transmissão vetorial, pois são influenciadas pelas condições ambientais, sociais, de acesso aos serviços de saúde, moradia e climáticas.
Atualmente, estão disponíveis na plataforma dados sobre impactos envolvendo incidência de malária, leishmaniose tegumentar americana e leishmaniose visceral. Ainda em 2024, o setor será incrementado com dados sobre dengue, febre amarela e leptospirose, e estresse térmico com impactos para doenças cardiovasculares e respiratórias.
Análise regional das doenças influenciadas por condições climáticas
Para desenvolver os índices e indicadores do Setor Estratégico de Saúde na plataforma, foram considerados o perfil epidemiológico das doenças transmitidas por vetores, as características específicas dessas doenças em relação aos parâmetros meteorológicos e à disponibilidade de dados de notificação pelo Ministério da Saúde.
Também foram levados em conta os aspectos socioeconômicos e demográficos de cada município, além da organização e qualidade do sistema de saúde local para responder às demandas de saúde pública relacionadas a essas doenças.
Sandra explica que a análise do AdaptaBrasil é realizada de forma centrada em cada município, porque as particularidades regionais contam muito na hora de avaliar o preparo da equipe, a infraestrutura disponível e a resiliência frente aos impactos das mudanças climáticas na saúde.
“Um conjunto de municípios forma uma região do país e um estado. No entanto, ao focar diretamente no estado, você homogeneiza o impacto, dificultando a compreensão e a ação do tomador de decisão em toda a região”, detalha.
Ela complementa dizendo que conhecer as diferenças e vulnerabilidades específicas de cada município são cruciais ao desenvolver estratégias de adaptação e políticas de saúde pública para enfrentar os desafios das mudanças climáticas.
“Quando apresentamos um resultado com o mapa mostrando o contexto das doenças transmissíveis, como a dengue, é importante notar que a incidência dela não é igual em todos os municípios brasileiros. Os municípios que inicialmente mostraram maior incidência da dengue dependem da variabilidade da temperatura, umidade relativa do ar e precipitação, além do acesso aos serviços de saúde e os determinantes sociais da saúde. É um contexto complexo, que envolve diversos fatores”, explica.
Mudanças climáticas e o aumento da vulnerabilidade às doenças transmissíveis
Mudanças na variabilidade da temperatura, no acumulado de chuva e no nível de umidade relativa, podem gerar condições mais propícias à proliferação de vetores que transmitem doenças. Sandra indica que o mais recente surto de dengue ilustra bem isso.
“Com o aumento da temperatura mínima, as condições ideais para a reprodução do mosquito são favorecidas. Isso acelera o ciclo reprodutivo do mosquito e sua distribuição em diferentes regiões do país, aumentando o número de focos de mosquito”, salienta.
Nesse sentido, a plataforma AdaptaBrasil indica os níveis de ameaça climática e vulnerabilidade dos municípios brasileiros em relação às doenças malária, leishmaniose tegumentar americana, leishmaniose visceral e dengue que são extremamente sensíveis ao clima e afetam a população brasileira.
Os indicadores do sistema mostram que, em decorrência das mudanças climáticas, diversos municípios brasileiros enfrentam altos riscos de proliferação dessas doenças.
Atualmente, cerca de 36% dos municípios estão vulneráveis à malária, enquanto 34% enfrentam riscos relacionados à leishmaniose tegumentar americana. No cenário mais pessimista, até 2050, esses números podem aumentar para 38% e 41%, respectivamente.
A leishmaniose visceral representa o maior risco, com 58% dos municípios vulneráveis atualmente, mantendo-se em torno de 54% até 2050, mesmo em cenários otimistas.
Acesse a página do AdaptaBrasil com os Índices e Indicadores de Saúde para os impactos de Malária, Leishmaniose Tegumentar Americana e Leishmaniose Visceral.
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Colaborou para a elaboração do texto: Dra. Fabiane Bertoni, geógrafa e bolsista do AdaptaBrasil MCTI colaboradora do setor Saúde.
Leituras complementares:
Factors associated with the occurrence of dengue epidemics in Brazil: a systematic review
Doenças sensíveis ao clima no Brasil e no mundo: revisão sistemática
(PDF) Linkages between vulnerability, resilience, and adaptive capacity