Segurança Alimentar

Segurança alimentar é um conceito amplo que abrange diversos fatores inter-relacionados que interagem de maneira encadeada: as práticas agrícolas impactam a qualidade do solo e da água, o que, por sua vez, afeta o equilíbrio das plantas. Essas plantas, ao serem consumidas, influenciam diretamente a saúde e o bem-estar humano e animal, mostrando que a segurança alimentar vai além da simples disponibilidade de alimentos, ela é fundamental para a sustentabilidade ambiental e para a saúde das populações.

O clima, por sua vez, é o “insumo invisível” da agricultura brasileira. Os efeitos das mudanças climáticas previstos para as próximas décadas colocarão a agricultura sob intensa pressão. Alterações no regime de chuvas, longos períodos de seca, ondas de calor frequentes e eventos extremos afetam, ao mesmo tempo, a produtividade das lavouras, a qualidade dos alimentos colhidos e toda a cadeia que os leva ao consumidor, como todos os processos relacionados à infraestrutura logística.

Esse desafio se intensifica porque a população – e, consequentemente, a demanda por alimento – continua crescendo, enquanto as condições climáticas tendem a restringir a oferta. 

Em regiões onde as culturas agrícolas apresentam menor capacidade de adaptação às mudanças climáticas, a relação entre produção e bem-estar da população torna-se ainda mais estreita, exigindo avaliações de risco detalhadas e políticas de adaptação sólidas e eficazes.

Tendo em vista a complexidade que envolve esta temática, o Setor Estratégico Segurança Alimentar busca compreender os impactos das mudanças climáticas na segurança alimentar da sociedade brasileira de forma integrada, utilizando as quatro dimensões de segurança alimentar definidas pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), disponibilidade, acesso, utilização e estabilidade, conforme descrito no diagrama a seguir:

Estruturas hierárquicas do Setor Estratégico Segurança Alimentar

Para adaptar a análise do risco climático às dimensões da segurança alimentar, foram desenvolvidas duas estruturas hierárquicas chamadas de subsetores: Disponibilidade de Alimentos e Acesso e Consumo de Alimentos

A dimensão Estabilidade foi incorporada como mediadora dos dois subsetores, manifestando-se por meio de indicadores que refletem a constância e a resiliência da segurança alimentar ao longo do tempo.

Cada subsetor apresenta uma Flor de Risco própria, que combina os componentes Ameaça climática, Vulnerabilidade e Exposição.

No caso da Disponibilidade de Alimentos, o impacto das mudanças climáticas é  um fenômeno de primeira ordem, pois a influência da perturbação climática é imediata e direta, afetando principalmente a produção de alimentos. Esse impacto reflete a vulnerabilidade e a exposição da produção agropecuária às mudanças climáticas, onde fatores como temperatura e padrões de precipitação podem alterar a produtividade das culturas e a saúde do solo.

Por outro lado, o impacto sobre o Acesso e Consumo de Alimentos é considerado secundário ou indireto, pois depende dos efeitos climáticos sobre a disponibilidade. 

Neste caso, o risco climático é uma ameaça derivada, em que a instabilidade na produção e oferta de alimentos impacta diretamente a capacidade de acesso e o consumo. A compreensão desses aspectos de forma interligada permite desenvolver estratégias mais eficazes e direcionadas para mitigar os riscos climáticos e fortalecer a resiliência do setor alimentar, promovendo a segurança alimentar de forma mais abrangente e sustentável. O modelo conceitual para análise do risco de impacto das mudanças climáticas no Setor Segurança Alimentar está a seguir:

Subsetor Disponibilidade de Alimentos

Este Subsetor Estratégico se refere à capacidade de o Brasil produzir e colocar à disposição da população os alimentos in natura para uso doméstico. O foco recai sobre nove itens da cesta básica – arroz, batata, feijão, mandioca, milho, trigo, leite, ovos e carnes (bovina, suína e de aves) –, todos altamente dependentes de clima regular para manter oferta estável.

Atualmente, a agropecuária responde por quase um quarto do PIB nacional (24,4%; Cepea/USP & CNA, 2023) e abastece majoritariamente o mercado interno. No entanto, a forte dependência de fatores climáticos coloca essa atividade em posição de vulnerabilidade, especialmente em regiões onde há alta variabilidade climática ou eventos extremos frequentes.

A produtividade agrícola depende diretamente do regime de chuvas. Quando a precipitação falha – seja pela frequência irregular, seja pela intensidade inadequada –, a capacidade produtiva das culturas diminui, gerando perdas econômicas significativas. O problema é particularmente grave nas regiões semiáridas, onde a escassez hídrica se soma a fatores socioeconômicos e ambientais e acelera processos de desertificação, degradando áreas que, com o tempo, deixam de reunir condições mínimas para o cultivo. Soma-se a isso a necessidade de temperatura e radiação solar dentro de faixas ótimas, que variam conforme a espécie e a região.

No setor pecuário, as mudanças climáticas interferem na disponibilidade de forragem e água e afetam o bem-estar animal. A escassez hídrica e o calor excessivo reduzem a oferta de alimento, comprometem o ganho de peso e a produção de leite, enquanto o estresse térmico eleva a suscetibilidade a enfermidades. Por outro lado, períodos de pluviosidade intensa favorecem a proliferação de pragas e patógenos que se expandem para novas áreas à medida que as condições se tornam propícias, elevando o risco sanitário tanto para plantações quanto para rebanhos.

Mesmo sem eventos climáticos extremos, produtores lidam com oscilações nos preços de fertilizantes, rações e combustíveis, muitas vezes determinados por mercados internacionais. Além disso, desigualdades regionais impõem barreiras adicionais: falta de crédito, baixa mecanização e assistência técnica limitada reduzem a capacidade de adaptação, sobretudo na agricultura familiar, que responde por uma parcela significativa do abastecimento de alimentos básicos no país.

Desta forma, para compreender a disponibilidade de alimentos não basta olhar para a produção, é preciso analisar as interações climáticas e socioeconômicas que moldam este subsetor e, consequentemente, a segurança alimentar no país. Assim, a estabilidade desse primeiro elo da cadeia é condição estratégica para que as demais dimensões da segurança alimentar – acesso, utilização e estabilidade – se sustentem.

Subsetor Acesso e Consumo de Alimentos

O Subsetor Estratégico Acesso e Consumo de Alimentos engloba a garantia de que toda a população tenha acesso econômico e físico a alimentos nutritivos de forma segura e socialmente aceitável. Isso inclui não apenas o abastecimento de alimentos, mas também a redução de barreiras que dificultam seu consumo, especialmente em áreas onde o custo e a disponibilidade dificultam o acesso a dietas saudáveis e balanceadas.

Nos últimos anos, as fragilidades das estruturas alimentares ficaram evidentes. A pandemia de COVID-19 e o conflito na Ucrânia afetaram cadeias globais de suprimento, elevaram os custos dos alimentos e ampliaram o número de pessoas em insegurança alimentar grave para cerca de 900 milhões em 2022, segundo a FAO. O problema é mais agudo nas áreas rurais e periurbanas em comparação com centros urbanos; e entre mulheres, que apresentam maior prevalência de restrição alimentar em todas as regiões do mundo.

Projeções das Nações Unidas indicam que essa pressão deve aumentar. A população mundial pode chegar a 9,7 bilhões em 2050, exigindo crescimento expressivo na oferta de alimentos e maior eficiência em toda a cadeia.

Além de choques pontuais, atuam forças permanentes que encarecem e dificultam o acesso:

  • Mudanças climáticas e degradação do solo, que reduzem estoques e pressionam preços;
  • Crises econômicas, que diminuem renda disponível na mesma época em que os alimentos ficam mais caros;
  • Crescimento demográfico e urbano, que aumenta a distância entre locais de produção e consumo, exigindo logística mais complexa.

Além disso, as dificuldades de acesso não se referem apenas à quantidade de alimento disponível, mas, também à qualidade da dieta. A OMS estima que 2,7 milhões de mortes anuais sejam associadas ao consumo insuficiente de frutas e hortaliças. Dietas pobres em micronutrientes contribuem para obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares, ampliando custos sociais e de saúde.

No Brasil, diferenças regionais reforçam a necessidade de uma governança integrada. Regiões mais expostas a secas ou chuvas extremas podem sofrer interrupções de abastecimento e elevação de preços, afetando sobretudo famílias de menor renda. Para enfrentar esses desafios, o país precisa de políticas que:

  • Melhorem o transporte e o armazenamento de alimentos, reduzindo perdas e custos;
  • Ampliem programas de proteção social e subsídios a alimentos básicos em períodos de crise;
  • Incentivem uma produção local diversificada e circuitos curtos de comercialização;
  • Promovam educação alimentar e nutricional.

A avaliação do risco climático para acesso e consumo, portanto, exige olhar atento às particularidades locais e à interação entre clima, infraestrutura, renda e hábitos culturais. Fortalecer esse subsetor demanda cooperação entre governos, setor privado e sociedade civil, além de inovação tecnológica e políticas inclusivas para que todos tenham acesso regular a uma alimentação suficiente e saudável.

Métricas para apoiar a tomada de decisão

Para avaliar se o risco climático à segurança alimentar se agrava ou se atenua, o AdaptaBrasil utiliza um conjunto articulado de indicadores e índices. Tais informações quantificam os níveis de vulnerabilidade, exposição e ameaça climática, permitindo comparar realidades municipais, regionais e nacionais com base em critérios homogêneos.

A construção do setor de Segurança Alimentar segue referenciais da OCDE/JRC (2008) e de Becker (2018), que atualizam a clássica pirâmide da informação (Hammond et al., 1995). A lógica é simples: dados brutos, observados isoladamente, não retratam fenômenos complexos; ao serem organizados em camadas, produzem sínteses capazes de orientar políticas públicas e investimentos.

Nesse modelo, cada degrau agrega valor: dados primários são tratados, padronizados e formam indicadores comparáveis; esses, por sua vez, compõem índices que mostram onde o risco é maior e quais fatores o impulsionam. A abordagem adota o conceito de risco do IPCC, resultado da interação entre ameaça climática, vulnerabilidade e exposição.

O risco de impacto é o resultado emergente da interação entre suas dimensões, que, por sua vez, estão associadas intrinsecamente às mudanças nos fatores de pressão a que são submetidas. Neste sentido, optou-se por elaborar um sistema de índices e indicadores que permite analisar os determinantes ou os fatores mais correlacionados ao risco climático de segurança alimentar.

Para tanto, foram consideradas informações que vão desde dados brutos até indicadores temáticos, índices das dimensões do risco de impacto climático e o índice geral de risco de impacto climático. Essas informações estão organizadas em níveis hierárquicos de composição da informação, conforme mostram as figuras a seguir, que representam, respectivamente, as hierarquias dos Subsetores Disponibilidade de Alimentos e Acesso e Consumo de Alimentos.

Destaques dos indicadores selecionados

Subsetor Disponibilidade de Alimentos 

A hierarquia foi ampliada para refletir riscos diretos à produção agropecuária.

  • Sensibilidade: reúne variáveis que medem a susceptibilidade da produção a extremos climáticos devido a condições estruturais pré-existentes como a suscetibilidade climática de culturas e rebanhos, irrigação vulnerável, uso de pastagens degradadas, déficit hídrico do solo, entre outros.
  • Capacidade adaptativa: incorpora mecanismos institucionais e produtivos existentes que reduzem perdas e aumentam a resiliência – cobertura de programas como Garantia-Safra, PRONAF, Proagro Mais e Seguro Rural, além de assistência técnica, associativismo, estabilidade fundiária, infraestrutura rodoviária e eficiência de armazenagem.
  • Exposição: avalia o quanto uma região pode ser afetada por mudanças climáticas, como períodos de seca ou chuvas excessivas. Quanto maior for a dependência econômica do município na agropecuária, a extensão das áreas plantadas e a presença da agricultura familiar, maior será a exposição.
  • Ameaça climática: foi detalhada com índices de seca e chuva excessiva.

Subsetor Acesso e Consumo de Alimentos

Os novos indicadores captam barreiras econômicas, logísticas e nutricionais que afetam a população.

  • Sensibilidade: considera densidade de domicílios, chefia feminina de baixa renda, risco de desabastecimento de água, concentração de pontos de venda de ultraprocessados, funcionamento de centrais de abastecimento, níveis de insegurança alimentar, malnutrição infantil, doenças ligadas a saneamento deficiente, prevalência de sobrepeso e obesidade, entre outros. 
  • Capacidade adaptativa: inclui investimento federal per capita em educação, saúde e infraestrutura de adaptação, instrumentos de planejamento de segurança alimentar, alcance do PNAE e do PAA (com ênfase em Povos e Comunidades Tradicionais), Programa Cisternas e cobertura do Bolsa Família.
  • Exposição: reflete pressão populacional com indicadores como densidade e total de habitantes.
  • Ameaça climática: está relacionada ao clima de forma indireta, pois considera os efeitos das mudanças climáticas sobre a disponibilidade de alimentos. Ou seja, ela utiliza os resultados do risco climático que afeta a produção e oferta de alimentos para representar possíveis impactos no acesso da população à alimentação adequada, especialmente para os grupos mais vulneráveis.

Os dois conjuntos de indicadores permitem estimar:

  1. Onde o clima representa a maior ameaça à produção, ao abastecimento e à dieta;
  2. Quais fatores socioeconômicos ampliam ou atenuam esse risco;
  3. Como políticas públicas, infraestrutura e programas de apoio podem fortalecer a resiliência local.

Como os indicadores de Vulnerabilidade e Exposição foram escolhidos

Inicialmente, o levantamento dos indicadores candidatos teve como base o conjunto final da primeira versão do Setor Estratégico Segurança Alimentar. Naquela etapa, os indicadores foram selecionados a partir de estudos científicos já realizados no Brasil fundamentados em artigos e publicações técnicas que atendessem aos requisitos teóricos e operacionais relacionados aos aspectos de vulnerabilidade, impacto e adaptação. 

No entanto, também foram considerados alguns critérios técnicos, como: disponibilidade de dados em fontes oficiais e de acesso público; representatividade preferencialmente em escala municipal; e possibilidade de atualização em diferentes recortes temporais.

Para esta nova versão, foi realizada uma pesquisa bibliográfica complementar com o objetivo de preencher lacunas identificadas na seleção de indicadores para cada subsetor temático – Disponibilidade de Alimentos e Acesso e Consumo de Alimentos. Essa etapa visou ampliar a base conceitual e garantir maior coerência e robustez na representação dos aspectos específicos de cada dimensão.

A pré-seleção dos indicadores do Subsetor Disponibilidade de Alimentos foi conduzida durante uma oficina presencial realizada em Brasília, em maio de 2023, com a participação de representantes do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). 

Já para o Subsetor Acesso e Consumo de Alimentos, o processo ocorreu em uma reunião remota em outubro de 2023, contando com representantes do Instituto Nacional do Semiárido (INSA), da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e também do INPE.  

Em ambas as ocasiões, os especialistas convidados colaboraram na seleção e alocação dos indicadores, buscando assegurar a adequação conceitual e temática às respectivas dimensões, com base na caracterização do setor estratégico em análise e na relevância nacional e/ou regional dos indicadores propostos.   

O sistema de índices e indicadores adotado para a avaliação de risco em cada subsetor, em razão da natureza multidimensional dos impactos, não se limita aos fatores climáticos, também incorpora fatores de vulnerabilidade e exposição específicos de cada contexto setorial. 

No caso do Subsetor de Disponibilidade de Alimentos, foram considerados fatores diretamente relacionados à produção e à produtividade agropecuária, como: aspectos edáficos, de manejo, instrumentos financeiros e políticas públicas, armazenamento de alimentos, aspectos econômicos e potencial de intensificação da produção, dependência econômica local às atividades agropecuárias, exposição de áreas produtivas e distribuição fundiários.

Para o Subsetor de Acesso e Consumo de Alimentos, os fatores condicionantes analisados foram predominantemente socioeconômicos, incluindo: perfil da população, infraestrutura básica, saúde e consumo dos alimentos, instrumentos financeiros e políticas públicas, capacidade socioeconômica, exposição da população e infraestrutura logística e de acesso a mercados.

Acesse a página do AdaptaBrasil com os Índices e Indicadores de Segurança Alimentar para Disponibilidade e Acesso

Leituras complementares