Pesquisadora alerta: é preciso aumentar a conscientização sobre os impactos das mudanças climáticas na saúde da população
O alerta é de Sandra Hacon, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP-Fiocruz), que é especialista na área de saúde e meio ambiente, com foco nas interações entre mudanças climáticas e saúde pública.
Segundo ela, a necessidade de se aumentar a conscientização da população em relação à conexão direta entre saúde e clima é latente.
“As mudanças climáticas afetam a saúde de forma variada, dependendo da vulnerabilidade social das populações próximas ou distantes dos eventos climáticos, além das condições ambientais, econômicas e sociais. Porém, é inegável que qualquer setor de atividades econômicas – seja recursos hídricos, agricultura ou infraestrutura – é impactado pela urgência climática”, destaca a pesquisadora, que participou do processo de levantamento e análise de dados para a criação da área de Saúde no AdaptaBrasil MCTI.
As mudanças climáticas e as doenças de transmissão por vetores
Sandra explica que a equipe responsável pelo setor estratégico Saúde, do AdaptaBrasil, priorizou a análise de doenças transmitidas por vetores, que são influenciadas pelos determinantes sociais da saúde, tais como: as condições ambientais, sociais, de acesso aos serviços de saúde, habitação, educação e climáticas.
Ela destaca que doenças como dengue, malária e leishmaniose estão relacionadas ao clima, mas também são agravadas por fatores como falta de saneamento básico, degradação da floresta em áreas fragmentadas, entre outros.
“Quando apresentamos um resultado com a distribuição espacial de uma doença, como a dengue, por exemplo, é importante notar que a incidência não é igual em todos os municípios brasileiros. A maior ou menor incidência depende de temperatura, umidade relativa do ar e precipitação, vigilância entomológica, além do acesso aos serviços de saúde, assim como os determinantes sociais. É um contexto complexo, que envolve diversos fatores”, analisa.
Dando um exemplo de como as mudanças climáticas podem impactar a saúde da população, variando segundo as circunstâncias socioeconômicas, a pesquisadora cita o aumento da temperatura mínima em alguns locais do país. Segundo ela, enquanto antes a variabilidade entre a mínima e a máxima temperatura era de 15 ºC a 25-28 ºC, na atualidade a mínima ultrapassa os 20ºC, considerando que a temperatura ótima para o mosquito da dengue varia de 19 a 32 ºC, associado aos períodos de chuva. Essa combinação de temperatura e chuva beneficia a proliferação dos mosquitos, que possuem um ciclo de vida curto.
“A temperatura média ideal para a reprodução do mosquito da dengue varia de 19 a 32ºC. Com o aumento da temperatura mínima, as condições ideais para a reprodução do mosquito são favorecidas. Isso acelera sua reprodução e distribuição em diferentes regiões do país, aumentando o número de focos. Contudo, isso impactou de forma mais severa as populações mais vulneráveis, que vivem em aglomerados e áreas com falta de saneamento básico”, detalha.
A importância de aumentar a conscientização de gestores públicos e profissionais da saúde
Para Sandra, um grande desafio para aumentar a conscientização em relação à conexão entre o clima e a saúde da população é comunicar o risco da emergência climática de forma mais clara, ajudando a combater a desinformação em torno do tema.
“O trabalho de comunicação hoje é fundamental, porque nós, como pesquisadores, enfrentamos dificuldades para traduzir a ciência para uma linguagem acessível tanto para o público impactado quanto para aqueles que ainda não acreditam na mudança climática”, frisa.
Ela conta que a falta de conhecimento de gestores públicos é outro obstáculo que bloqueia a priorização de políticas públicas voltadas a tratar os impactos das mudanças climáticas na saúde da população.
Para a pesquisadora, uma maneira de chamar atenção dos governantes para isso é destacando o impacto econômico da crise climática.
“Infelizmente, embora já existam vários exemplos dos impactos da crise climática, ainda temos uma boa parte da população brasileira que a ignora. Percebemos que os diferentes setores econômicos têm pouco conhecimento sobre o assunto e, além disso, infelizmente, lidamos com o negacionismo. No entanto, acredito que uma abordagem que pode sensibilizá-los mais é destacar o custo direto e indireto para os gestores de ignorar a crise climática e não tomar medidas proativas. O Rio Grande do Sul está evidenciando as múltiplas dimensões da tragédia, é um lembrete da constante ameaça que as arboviroses representam para a saúde pública. Agir de forma decisiva e coordenada é essencial para proteger a população e evitar que novos recordes negativos sejam registrados nos próximos anos”, indica.
No caso da dengue, por exemplo, estima-se que 4,2 milhões de pessoas podem ser afetadas em 2024, causando um prejuízo de até R$ 20,3 bilhões na economia.
Só o custo do tratamento dos casos previstos pode chegar a R$ 5,2 bilhões – outros R$ 15,1 bilhões representam perdas de produtividade resultantes. Esses números são alguns dos sinais da constante ameaça que as arboviroses representam para a saúde. “É essencial agir de forma preventiva e evitar que novos recordes sejam registrados nos próximos anos”, orienta.
Para saber mais: Acesse a página do AdaptaBrasil com os Índices e Indicadores de Saúde para os impactos de Malária, Leishmaniose Tegumentar Americana e Leishmaniose Visceral.