Biodiversidade

Os seis biomas brasileiros – Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal e Pampas – abrigam atualmente 20% da biodiversidade global. Porém, a elevação das temperaturas, a alteração no regime de chuvas e a intensificação de eventos climáticos extremos decorrentes das mudanças do clima já provocam impactos sobre esses ecossistemas e colocam em risco a diversidade ecológica brasileira.

Segundo a Quarta Comunicação Nacional do Brasil à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), o país deverá enfrentar variações significativas nos padrões climáticos até 2070, sobretudo na Amazônia, no Cerrado e na Caatinga, com consequências diretas para a distribuição de espécies e a funcionalidade dos ecossistemas.

Segundo os cenários de aquecimento de 1,5 °C e 2 °C, apresentados no artigo Projeções de resiliência dos biomas brasileiros e riscos socioambientais às mudanças climáticas, os biomas locais apresentam diferentes níveis de resiliência climática – conceito que se refere à capacidade de um ecossistema de manter sua estrutura e funcionamento diante de perturbações –, e a redução dessa resiliência representa uma ameaça à sua integridade ecológica.

Este artigo, uma das referências teóricas do Setor Estratégico (SE) Biodiversidade do AdaptaBrasil, sugere que a abordagem interdisciplinar na modelagem da resiliência dos biomas pode auxiliar a tomada de decisões em políticas públicas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, além de reduzir os riscos à segurança socioambiental. Com base nessa premissa, o Setor estratégico de Biodiversidade desenvolveu o Índice de Risco à Integridade do Bioma.

A flor de risco da biodiversidade

O Índice de Risco Climático de Integridade do Bioma é representado pela Flor de Risco, modelo visual que traduz a lógica adotada pelo AdaptaBrasil para integrar diferentes dimensões de análise. A Flor é composta por três pétalas principais – Ameaça Climática, Vulnerabilidade e Exposição.

 

 

O sistema de índices e indicadores desenvolvido para a avaliação do risco climático do Setor Estratégico Biodiversidade levou em consideração a seguinte estrutura hierárquica:

 

Hierarquia

A Ameaça Climática – que está diretamente ligada ao conceito de resiliência climática – parte da ideia de que quanto maior a resiliência de um bioma, menor é a ameaça climática sobre ele. Ou seja, biomas que conseguem manter sua estrutura e funcionalidade diante de alterações de temperatura e precipitação estão menos expostos aos riscos associados às mudanças do clima.

A Exposição diz respeito às áreas suscetíveis a riscos relacionados a mudanças climáticas e mostra a cobertura vegetal nativa e o grau de proteção legal nessas regiões. Ela é utilizada para determinar o percentual de cobertura florestal ou formação natural não florestal de um certo bioma dentro de seus limites biogeográficos originais, indicando se um bioma mantém sua vegetação original preservada e protegida por unidades de conservação e áreas prioritárias para conservação, ou se apresenta uma maior suscetibilidade devido à perda de cobertura vegetal e ausência de proteção legal. Os biomas com alta exposição podem enfrentar desafios significativos para se adaptar às mudanças climáticas devido à menor cobertura de vegetação nativa e proteção institucional.

A Vulnerabilidade refere-se à capacidade adaptativa e à sensibilidade do bioma às mudanças ambientais, refletindo questões sociais e institucionais, como estrutura social, uso do solo e capacidade de resposta a riscos. 

  • Capacidade adaptativa – analisa a eficácia das ações estatais para melhorar e recuperar áreas com passivo ambiental. Isso requer uma assistência técnica e rural bem estruturada, além de fiscalização eficiente por parte dos órgãos competentes. 
  • Sensibilidade – mede quão sensível o bioma é a mudanças e se relaciona à ocupação e utilização do espaço, incluindo uso do solo, mudanças na densidade populacional e infraestrutura territorial. 

Composicao

Etapas metodológicas do Setor Estratégico Biodiversidade

O Índice de Risco à Integridade do Bioma foi construído seguindo seis etapas metodológicas principais organizadas de forma a garantir rigor científico e validação participativa com especialistas da área:

1. Revisão bibliográfica e validação com especialistas

Foi realizada uma  revisão sistemática de estudos nacionais e internacionais, considerando publicações de referência do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas (MMA) e do World Wide Fund for Nature (WWF).

Essa revisão evidenciou dois conceitos fundamentais: 

  • Resiliência climática – a capacidade dos ecossistemas de manterem sua estrutura e funcionalidade diante de perturbações climáticas e antrópicas. 
  • Integridade dos biomas – o estado de conservação e manutenção das características essenciais dos ecossistemas.

Para validar e refinar os indicadores, foram realizadas cinco oficinas técnicas com instituições parceiras, reunindo especialistas em biodiversidade. As discussões abrangeram desde a definição conceitual do risco climático até aspectos práticos da composição das dimensões que formam a Flor de Risco.

Fluxo oficinas

Como resultado das oficinas técnicas, foram selecionados indicadores socioecológicos que capturam diferentes aspectos do risco climático à biodiversidade – desde pressões diretas, como uso de agrotóxicos, focos de calor e perda de cobertura vegetal, até instrumentos de proteção, como unidades de conservação com planos de manejo e orientação técnica rural.

2. Construção de indicadores simples através da normalização

Para permitir comparação e agregação entre indicadores de diferentes naturezas e escalas, todos os valores foram normalizados numa escala de 0 a 1. Quando o indicador tem relação direta com a dimensão (quanto maior, maior o risco), utilizou-se uma fórmula padrão. Para indicadores com relação inversa, a fórmula foi invertida.

Uma exceção importante ocorre na dimensão Capacidade Adaptativa, onde os cálculos de normalização são contrários: indicadores com relação direta usam a fórmula inversa, e vice-versa, já que essa dimensão mede a habilidade de reduzir riscos climáticos.

3. Estimativa dos indicadores temáticos e índices

Os indicadores simples normalizados foram consolidados para formar indicadores temáticos usando a mediana estatística, técnica que reduz o impacto de valores extremos. Essa escolha segue a mesma metodologia de outros Setores Estratégicos do AdaptaBrasil.

O índice de Vulnerabilidade foi estimado a partir da relação entre Sensibilidade e Capacidade Adaptativa por meio de fórmula específica. Para evitar perda de informações devido à redução de variância, aplicou-se equações de uniformização de médias e variâncias por meio de transformações lineares, garantindo comparabilidade entre todas as dimensões.

4. Adequação da resiliência climática para resolução municipal

Para avaliar a ameaça climática sobre a biodiversidade, o AdaptaBrasil utilizou os dados de resiliência climática publicados no artigo Projeções de resiliência dos biomas brasileiros e riscos socioambientais às mudanças climáticas e disponibilizados na Quarta Comunicação Nacional do Brasil à Convenção do Clima da ONU.

Esses dados foram obtidos por meio de modelagem de nichos climáticos, uma técnica que simula como a vegetação dos biomas pode responder a diferentes cenários de temperatura e precipitação. As projeções consideram o período atual (1960-1990) e os seguintes cenários futuros, ambos sob o filtro de altas emissões RCP 8.5.

  • Cenário futuro 1: aquecimento médio de 1,5 °C (2011-2040)
  • Cenário futuro 2: aquecimento médio de 2 °C (2041-2070)

Cenarios

5. Composição do Índice de Risco Climático à Integridade do Bioma

O cálculo do índice final de risco foi realizado a partir da multiplicação dos índices de Vulnerabilidade, Exposição e Ameaça Climática. Para que os valores possam ser comparados e representados em mapas, o cálculo passa por um ajuste matemático – detalhado no documento teórico-metodológico – que evita distorções.

6. Elaboração das contribuições de indicadores simples e temáticos

A última etapa metodológica consistiu em calcular a contribuição relativa de cada Indicador Simples na composição dos índices temáticos e, consequentemente, do Índice de Risco à Integridade do Bioma. Esse processo permitiu entender o peso específico de cada variável dentro do conjunto de dados e identificar quais fatores têm maior influência sobre os resultados em diferentes municípios.

Para realizar esse cálculo, considerou-se a proporção com que cada indicador participa na formação dos indicadores temáticos – como Sensibilidade, Capacidade Adaptativa ou Exposição – e de que forma influenciam o índice final.

Aplicações práticas do índice

O Índice de Risco à Integridade do Bioma fornece informações estratégicas para gestores públicos priorizarem investimentos em conservação, identificarem áreas críticas para restauração e desenvolverem políticas de adaptação climática baseadas em evidências científicas. Os dados estão disponíveis na plataforma AdaptaBrasil para consulta por município, permitindo análises em diferentes escalas territoriais.

A descrição completa de todas as etapas desse processo, incluindo as equações matemáticas utilizadas e justificativas técnicas, está disponível no Documento teórico-metodológico para avaliação de risco climático no Setor Estratégico Biodiversidade – plataforma AdaptaBrasil MCTI – Versão 1.0, texto que descreve os conceitos e a bibliografia que embasam o entendimento de risco climático e as metodologias empregadas nas diversas etapas de construção de indicadores de risco do SE Biodiversidade. 

Acesse o Índice de Risco à Integridade do Bioma.

Como leituras adicionais, recomenda-se: